Newsletter #2
- 8 de mai.
- 10 min de leitura
VOL 2 • MAI 2025
DEPOIMENTO DE JOVENS PESQUISADORES
Evolução e física quântica: uma união possível?
Por: Lucas Rocha
Poucas ideias mudaram tanto nossa compreensão do mundo natural quanto as Teorias da Seleção Natural e Sexual, publicadas na segunda metade do século XIX, e a mecânica quântica, desenvolvida no começo do século seguinte. Tais teorias romperam radicalmente com o pensamento vigente e propuseram explicações para fenômenos até então pouco compreendidos. Apesar de ser fácil imaginar que biólogos evolutivos pouco se atentam à possibilidade de que a luz pode ser tanto onda quanto partícula, ou que físicos sequer ousam se perguntar por que as penas do pavão são tão grandes e coloridas, uma eventual união dessas áreas poderia levar a descobertas únicas.
A mecânica quântica, abstrata e complexa mesmo para os próprios físicos que a descobriram, forma a base de tecnologias que poderão mudar o mundo em breve. Goste você ou não de computadores quânticos, equipamentos de medição ultra-precisos ou criptografia praticamente intransponível, tudo indica que o futuro será inegavelmente quântico. Sabendo disso, a UNESCO decretou 2025 como o “Ano Internacional da Tecnologia e Ciência Quântica”, em comemoração aos seus 100 anos simbólicos. Então, vejamos brevemente sua história e o que ela pode oferecer à biologia evolutiva.

No final do século XIX, o zeitgeist da física era de que não havia nada mais a ser descoberto. Restariam somente alguns “problemas de fronteira”, meras exceções sem resolução clara. Então, em 1901, o físico alemão Max Planck publicou uma solução para um desses problemas — a inconsistência da chamada “radiação do corpo negro”, que resultava em valores infinitos (muito temidos na física) — adotando uma abordagem teórica radicalmente diferente. Neste novo arcabouço teórico, a luz era constituída de pequenos pacotes discretos, os quanta, e não por um fluxo contínuo de energia. O conceito de quantização foi utilizado em seguida por Einstein e em rápida sucessão por outros físicos notórios (segue-se uma lista interminável de prêmios Nobel) para explicar com sucesso fenômenos em escala atômica e subatômica — o reino das menores coisas conhecidas. Por fim, ao final da década de 1930, nascia um novo ramo da física, com uma concepção da realidade baseada em probabilidades, teletransportes e gatos que estão vivos e mortos ao mesmo tempo.
"Teria a vida também tomado proveito da maquinaria subatômica?"
Não demorou muito para que os físicos usassem esses conhecimentos em outras áreas. Em 1944, Erwin Schrödinger, um dos pais da teoria quântica, publicou o livro "O que é vida?", no qual aborda temas em biologia explicados pela física, como as propriedades da “substância hereditária” e a causa de mutações. A partir dessa obra, um novo campo interdisciplinar tomou forma: a biologia quântica.
De lá para cá, ela nos levou a desenvolver algumas hipóteses interessantes que consideram que alguns eventos moleculares dos sistemas biológicos podem apresentar propriedades quânticas. Por exemplo, uma dessas hipóteses defende que a fotossíntese e a cadeia de transporte de elétrons mitocondrial devem sua eficiência energética ao tunelamento de elétrons em passagem por seus complexos proteicos. Já uma outra, a “teoria vibracional do olfato”, sugere que o olfato pode ser explicado pelo mesmo fenômeno, onde cada molécula possuiria uma vibração única identificada por receptores olfativos através do tunelamento de elétrons.

Talvez o exemplo mais surpreendente seria o “sexto sentido” de alguns animais migratórios que se orientam pelo campo magnético terrestre. Há uma hipótese que postula que essa “bússola” pode ter sua base no entrelaçamento (chamado por Einstein de “ação fantasmagórica à distância”, tamanha sua estranheza) que ocorre em moléculas de criptocromo presentes na retina desses animais. Ao serem excitadas por luz azul, essas moléculas sofreriam uma reação redox e temporariamente formariam um par de elétrons entrelaçados. Este par de elétrons, por sua vez, agiria como uma bússola e transmitiria um sinal interpretado como o sentido de magnetorecepção. Um estudo recente encontrou evidências de que a proteína criptocromo 4 (Cry4) do pássaro migratório pisco-de-peito-ruivo (Erithacus rubecula) é mais sensível à percepção magnética do que a mesma proteína em galos e pombos, que não são migratórios¹.
"[...] um organismo não é só um conjunto de genes, assim como o DNA não é só um aglomerado de átomos. Ao mudarmos de escala sempre encontramos algo a mais, algo diferente e único."
Conforme nossa compreensão sobre o papel de fenômenos quânticos nas moléculas biológicas aumentar, caberá à biologia evolutiva tentar explicá-los à luz da evolução. Será que a seleção natural e sexual também seriam capazes de atuar em escala tão diminuta? Teria a vida também tomado proveito da maquinaria subatômica? De qualquer maneira, só temos a ganhar estudando questões como estas não somente para entendermos melhor como a vida evolui mas também para nos inspirarmos a partir de seus potenciais inventos desenvolvidos através das eras. Quem é capaz de imaginar que tipo de computadores quânticos poderíamos desenvolver hoje, inspirados por exemplos biológicos que sobreviveram ao passar do tempo geológico?
Da mesma forma que a biologia evolutiva, a mecânica quântica é estocástica em sua essência e, ao subirmos de escala para sistemas maiores, chegamos a uma realidade aparentemente determinística. Se em evolução o paradigma atual é fortemente sustentado pela Nova Síntese (e todo arcabouço teórico subsequente), na física ainda se aguarda uma “teoria de tudo”, a qual seria capaz de unir o mundo quântico aquele da relatividade geral. Como parece acontecer nas ciências naturais, na soma das partes não temos o todo. Portanto, um organismo não é só um conjunto de genes, assim como o DNA não é só um aglomerado de átomos. Ao mudarmos de escala sempre encontramos algo a mais, algo diferente e único.

Quem é Lucas?

Lucas é aluno de graduação em Ciências biológicas - Genética na UFRJ, onde realiza estágio de iniciação científica no Laboratório de Biologia e Genômica Evolutiva, pesquisando sobre evolução molecular e filogenética em insetos. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Biologia Evolutiva e apaixonado por ciência, história, fotografia e videogames.
CONVERSA COM OS MESTRES
Biodiversidade e Evolução: parceria universidade – educação básica
Por: Nelio Bizzo & Leonardo Araújo
Desenvolvimento conceitual: aprofundando e aplicando conceitos evolutivos
A construção de um vínculo afetivo e intelectual com a biodiversidade nativa tem sido uma demanda importante para a criação de uma maior conscientização ambiental. Afinal, se as pessoas não estão familiarizadas com a beleza dos seus ambientes ou com a diversidade de espécies que as rodeiam, por que deveriam trabalhar para protegê-los? Infelizmente, muitas pesquisas mostraram uma desconexão entre as pessoas e seu ambiente biológico.
Os professores são essenciais para incentivar os alunos a expandir seus conhecimentos sobre a biodiversidade local, sendo a educação formal uma forma de aumentar a conscientização e o interesse público sobre a importância dos problemas ambientais. Considerando esta ampla problemática, vislumbrou-se a necessidade de o conhecimento sobre a biodiversidade brasileira ser transformado em atividades educativas. Nesse sentido, realizamos uma formação continuada para professores denominada “Biodiversidade Nativa na Escola”, como parte do projeto temático “BIOTA-FAPESP na educação básica: possibilidades de integração curricular (2018-2023)”, que integrou duas unidades da USP/SP (IB e FE), UFABC, UNIFESP, Instituto Butantan e UMSCS. O curso foi oferecido para docentes da educação básica de todo o Brasil, na modalidade EaD, fornecendo elementos sobre o ensino da biota nativa, bem como sugestões de como incluir uma visão evolutiva e ecológica no ensino de biodiversidade. Houve interesse inicial de pouco mais de 300 professores.
"[...] se as pessoas não estão familiarizadas com a beleza dos seus ambientes ou com a diversidade de espécies que as rodeiam, por que deveriam trabalhar para protegê-los?"
A primeira parte do curso ocorreu entre outubro e dezembro de 2022, ministrado por pesquisadores do projeto temático, com a participação do professor Gregory Radick, da Universidade de Leeds (Inglaterra). Essa etapa se concentrou com discussões sobre diversidade da flora nativa, conhecimentos tradicionais, biodiversidade marinha, pensamento evolutivo, entre outros.
A partir dessas ações, a segunda parte do curso promoveu novas práticas de ensino, estimulando a aplicação, pelos cursistas, dos conhecimentos trabalhados no curso com seus estudantes. Para isso, utilizamos recursos tecnológicos e interativos, como o site do projeto (https://biota.fe.usp.br/) e um aplicativo desenvolvido para dispositivos móveis, desenvolvido nas plataformas Android e iOS (ClickBiota®). Essas plataformas centralizaram materiais didáticos, divulgação de pesquisas, e a interação entre professores e escolas. Assim o curso não foi simples atividade de formação continuada estanque, mas os professores e seus alunos poderiam criar vínculos de longo prazo com essa plataforma, permitindo uma maior aproximação entre o conhecimento produzido na academia e a realidade da sala de aula.
Sistematização: workshop aproximando Inglaterra e Brasil
O projeto temático aprovado pela FAPESP havia financiado a construção de materiais didáticos digitais inovadores, ao lado de aproximação com novas formas de ensinar genética e evolução. Os conceitos dessas áreas são fundamentais para compreender a origem e manutenção da biodiversidade. Os dez docentes da educação básica com melhor avaliação e que mais envolveram alunos no curso, provenientes dos mais diferentes pontos do país, foram convidados pela universidade inglesa parceira (Universidade de Leeds) a participar de um workshop em Londres, em março de 2023. O workshop incluía visitação a locais de referência sobre o pensamento evolutivo, como Down House (Downe, Kent), British Library, Natural History Museum, Kew Gardens e uma jornada no Science Museum (Londres). A abertura do workshop ocorreu com o acesso a originais manuscritos de Charles Darwin, Alfred Wallace, Carlos Lineu e outras grandes referências para o pensamento biológico moderno. A única foto que nos permitiram, no interior da sala com os manuscritos, aparece acima (Figura 4).

Os trabalhos foram sempre acompanhados dos dois pesquisadores brasileiros (NB e LA) e do coordenador do workshop, Prof. Gregory Radick. Ao final da semana, o grupo teve um dia inteiro com conferências e debates no Science Museum, buscado maneiras de desenvolver formas mais eficazes de ensinar genética e evolução (Figura 5).

Assim, professores da educação básica do Maranhão, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Espírito Santo e São Paulo, dos quais sete de escolas públicas e três de escolas privadas, puderam enriquecer seu repertório de experiências, teóricas e práticas, em benefício de seus alunos. Apesar da grande diversidade de turmas e condições das escolas da educação básica, é amplamente reconhecido que os docentes da educação básica atendem um grande número de estudantes, em turmas com mais de 30 alunos. Considerando parâmetros amplamente aceitos, foi possível estimar que essas atividades repercutiram diretamente na formação do grupo docente inicial, com potencial de impactar mais de 10.000 estudantes brasileiros, em todas as regiões geográficas do país, mas principalmente do Nordeste, de onde provinha a maioria dos docentes da educação básica.
Da mesma forma, todos os pesquisadores envolvidos, no Brasil e na Inglaterra, tiveram uma oportunidade ímpar para refletir criticamente sobre as formas de ensinar genética e evolução a fim de desenvolver maiores vínculos afetivos e intelectuais com a biodiversidade nativa brasileira.
Quem é Nelio?

Prof. Nelio Bizzo ocupa o cargo de Professor Titular Sênior de Educação em Ciências na Universidade de São Paulo (USP) e é Professor Adjunto na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Nelio tem experiência na área de Educação, com ênfase em ensino de evolução biológica, atuando principalmente nos temas ensino de ciências, história do darwinismo, história da ciência aplicada ao ensino de ciências, ensino de evolução, e metodologia de ensino da ciência.Evolutiva.
Email: bizzo@ib.usp.br
Quem é Leonardo?

Leonardo é professor adjunto do Departamento de Biologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Foi professor substituto do Colégio de Aplicação da UFRGS e do Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Desenvolve pesquisas dentro dos temas de ensino de evolução biológica, natureza da ciência no ensino de biologia, história e filosofia da biologia evolutiva.
Email: lalaraujo@uem.br
Apoio à participação II CLEVOL
A Sociedade Brasileira de Biologia Evolutiva (SBBE) parabeniza todos os participantes da seleção para o apoio financeiro de US$500,00 ao II Congresso Latinoamericano de Evolución (II CLEVOL), que será realizado em San Miguel de Tucumán, Argentina, de 22 a 25 de julho de 2025. Estamos felizes em anunciar que o vencedor da bolsa de apoio é Eduardo Monge-Castro, que teve seu trabalho selecionado para apresentação oral no congresso. Confira abaixo um pouco sobre sua pesquisa:
Rumo à compreensão da diversificação e domesticação de Acrocomia aculeata ao longo do Neotrópico
Por: Eduardo A. Monge-Castro, Jonathan Morales-Marroquín, Brenda G. Díaz-Hernández, Suelen A. Vianna, Ana F. Francisconi, Caroline B. Garcia, Matheus Scaketti, Flaviane M. Costa, Alessandro A. Pereira, Carlos A. Colombo, Maria I. Zucchi.
Acrocomia aculeata é uma palmeira neotropical distribuída do sul do México ao norte da Argentina. Historicamente negligenciada, nos últimos anos tem ganhado destaque pelo seu potencial como cultura de usos múltiplos nas indústrias alimentícia, farmacêutica e, especialmente, na produção sustentável de biocombustíveis. Sua presença em ecossistemas degradados e com déficit hídrico a posiciona como espécie-chave em programas de restauração ecológica. No entanto, sua história evolutiva e trajetórias de domesticação ainda são pouco exploradas. Neste estudo, analisamos a estrutura genética, os sinais de seleção e o uso histórico da espécie por povos originários da América Latina. A partir do genotipagem por sequenciamento de 85 indivíduos de A. aculeata e 11 de A. totai provenientes de nove países, identificamos nove grupos genéticos altamente estruturados e com baixo fluxo gênico, agrupados em dois principais linhagens: América Central e América do Sul. Nossos modelos de nicho ecológico do passado e as métricas de diversidade genética refletem que as barreiras biogeográficas, os processos de isolamento e as dinâmicas paleoclimáticas moldaram esses linhagens. Também identificamos SNPs sob seleção com padrões funcionais e regionais distintos, sugerindo adaptações locais e possíveis sinais de uso humano. Na América Central, destacaram-se genes associados à resistência a doenças, fenótipos anões e desenvolvimento de frutos; na América do Sul, genes relacionados ao metabolismo lipídico e à regulação transcricional. A integração de dados arqueobotânicos e etnográficos revela o uso contínuo da espécie há pelo menos 13 mil anos, demonstrando como as interações humanas contribuíram na diversidade. Este trabalho oferece uma visão abrangente da evolução e manejo de A. aculeata, reforçando a importância de incluir as comunidades tradicionais nas estratégias de conservação e melhoramento genético sob uma perspectiva de transição energética justa.
Quem é Eduardo?

Eduardo Monge-Castro (Du) é biólogo, natural da Guatemala, e atualmente cursa o mestrado em Genética e Melhoramento de Plantas no Brasil. Desde o início da sua trajetória acadêmica, dedica-se à conservação de espécies arbóreas, com foco na genética populacional de Abies guatemalensis, uma espécie endêmica guatemalteca. Hoje, desenvolve pesquisas sobre a evolução, diversificação e domesticação da palmeira macaúba (Acrocomia aculeata) no Neotrópico, sob orientação da professora Dra. Maria Imaculada Zucchi. Eduardo tem como missão fortalecer uma ciência feita a partir e para o Sul Global, apostando em modelos mais inclusivos e transformadores para a América Latina.
Email: eduardo.mongee@gmail.com
NOVIDADES & INFORMES
X-Meeting 2025
Sócios da SBBE possuem desconto nas inscrições para a conferência de bioinformática X-Meeting 2025 (João Pessoa, 3 a 6 de junho). https://www.even3.com.br/xmeeting-2025/
II CLEVOL
Sócios da SBBE possuem 50% de desconto nas inscrições para o II Congresso Latinoamericano de Evolución (San Miguel de Tucumán, Tucumán, Argentina, 22 a 25 de julho). https://iiclevol-tuc-2025.wixsite.com/iiclevol
VIII Darwin Day UNESP
Evento apoiado pela SBBE que acontecerá na UNESP, no dia 14 de maio de 2025. O evento tem por objetivo a disseminação de ideias associadas à Evolução e sua importância como eixo norteador das Ciências Biológicas. https://eventos.ibb.unesp.br/darwinday2025
Vaga de doutorado e postdoc no Canadá
Oportunidades para doutorado e postdoc para trabalhar com genômica/transcriptômica de fungos micorrízicos. Interessados devem seguir as instruções do link: https://corradilab.weebly.com/opportunities.html
I Encontro de Biologia Evolutiva da Unicamp
Evento organizado por alunos de graduação, pós graduação, pós doutorado e as professoras drª Vera Solferini e drª Luciana Bolsoni. O encontro vai acontecer no dia 3 de setembro de 2025, durante a Semana do Biólogo no Instituto de Biologia da Unicamp, e estão planejados palestras e mesas redondas e apresentações de pôsteres.
Boletim Informativo
Newsletter de divulgação da Sociedade Brasileira de Biologia Evolutiva
| Publicação Bimensal
Editores desta edição: Fernanda S. Caron e Júnior Nadaline
Design, revisão e composição: Fernanda S. Caron, George Pacheco e Júnior Nadaline
Newsletter online: publicada exclusivamente em versão eletrônica em https://www.sbbevol.org/post/newsletter-2
Ficou linda a newsletter! Adoro propriedades emergentes, apesar de ser um assunto ainda pouco explorado na Biologia Evolutiva moderna!