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Newsletter #1

  • 7 de mar.
  • 8 min de leitura

VOL 1 • MAR 2025



 


DEPOIMENTO DE JOVENS PESQUISADORES


Ciências marinhas no Oriente Médio

Por: Felipe de Oliveira Torquato

Ouvi dizer que uma boa aula começa com uma boa anedota, e assim farei. Em março de 2016, durante o meu doutorado, desembarquei pela primeira vez no mundo Árabe e hospedei-me por uma semana num hotel em Doha. Em algum momento durante a minha hospedagem peguei o elevador com um funcionário do hotel.


Good morning, sir”, provavelmente disse ele.

E quase que em seguida, perguntou: “Are you Christian?”.


Eu prontamente respondi: “No, no. I’m Philip (Felipe)”.

O elevador chegou ao térreo e cada um de nos seguiu para o seu lado.


Em minha defesa sempre justifico que ninguém nunca houvera perguntando a minha crença religiosa num primeiro encontro de elevador. Além disso, Christian é o nome de pessoa mais comum na Dinamarca onde eu morava e fazia o meu doutorado. Também não poderia deixar de culpar o idioma inglês e o seu “Novilínguismo” que economiza nos verbos (não troco o meu ‘ser’ e ‘estar’ pelo verbo to be de ninguém, diria o poeta nordestino). O meu quarto, e último, alibi é, na verdade um alívio pessoal. Caso tivesse entendido a pergunta de forma correta, o que teria eu respondido naquele momento? Não sei.


Aquela primeira visita a Doha foi também o primeiro contato com o meu atual sistema de estudo, o Golfo Pérsico. O projeto multidisciplinar ao qual eu fazia parte era resultado de uma parceria (que dura até hoje) entre a Universidade de Copenhague e a Universidade do Catar. Outras colaborações efêmeras com universidades de Abu Dhabi, Omã e Arábia Saudita foram também estabelecidas ao longo do tempo.


Após um doutorado e uma pandemia na Dinamarca, aceitei o convite para um período de pós-doutorado na Universidade do Catar. Em 2021, minha esposa e eu nos mudamos para Doha de forma definitiva (Figura 1).


Figura 1. Acervo pessoal.
Figura 1. Acervo pessoal.

Sem mais anedotas, vou direto ao ponto.


O que um biólogo evolutivo gostaria de saber sobre o Golfo Pérsico e região?


Por falta de espaço, vou citar aqui apenas dois (entre inúmeros) aspectos que sempre vêm à minha cabeça. Primeiro, o Golfo Pérsico oferece condições extremas aos seus habitantes, sendo o mar mais quente do mundo durante o verão quando a superfície da água permanece a 36˚C por semanas! Já no inverno, essa temperatura cai aproximadamente 20˚C! Como as mais de sessenta espécies de corais sobrevivem nessas condições? Entender o Golfo Pérsico, é também entender as consequências evolutivas e ecológicas do aquecimento global.


Segundo, a espécie Homo sapiens, que houvera deixado o continente africano em direção à Península Arábica há pelo menos 70 mil anos, foi testemunha ocular de importantes eventos de imigração e especiação marinha naquela região. O Golfo Pérsico é um mar pós-glacial muito jovem, que se abriu às águas do Oceano Índico por volta de 12-14 mil anos atrás, mas que só formou algumas de suas linhas modernas de costa nos últimos 3-6 mil anos. Apesar da pouca idade, essas regiões costeiras podem hospedar espécies endêmicas que indicam rápida evolução, como é o caso do camarão Palaemon khori que tem sua distribuição restrita a pequenos mangues do Catar.


"Entender o Golfo Pérsico, é também entender as consequências evolutivas e ecológicas do aquecimento global."

O que todo biólogo gostaria de experienciar no Catar?


Começando pelo crème de la crème… Todos os anos, no auge do verão, centenas de tubarões-baleia se agregam em torno das plataformas de petróleo localizadas na zona econômica exclusiva do Catar. Um dos projetos envolvendo o meu pós-doutorado é o primeiro estudo sistemático desses animais, por isso, por dezenas e dezenas de vezes, mergulhei em agregações com cerca de 100 a 200 tubarões (Figura 2).



Figura 2. Fonte: MARESCO group – Qatar University.
Figura 2. Fonte: MARESCO group – Qatar University.

Esse e outros projetos são resultados de parceria entre a academia e o setor privado, prática bastante comum em outros lugares do mundo. Essas parcerias me levaram a inúmeras reuniões com grandes empresas e pessoas de diferentes países, além de me renderem cursos e credenciais para realizar trabalhos de campo embarcado nas plataformas de óleo e gás do Catar (Figura 3).


Figura 3. Fonte: MARESCO group – Qatar University.
Figura 3. Fonte: MARESCO group – Qatar University.

Oportunística e especificamente nessa newsletter, também gostaria de compartilhar a minha participação no “Workshop on research and teaching evolution in the MENA region” sediado na Carnegio Mellon University Qatar. Gosto de resumir esse surpreendente evento no mundo islâmico com a fala de uma das personagens ali presente; fala essa que não memorizei a miúde, mas que agora, em minhas palavras, descrevo assim: “Não existe conflito possível entre o islamismo e a evolução (ou qualquer ciência)”, e continuou, “Está claro no Corão, God nos deu cérebro e inteligência para buscarmos as respostas”.


"Assim como no Brasil, o cientista do Catar tem que bater o escanteio, correr para área, cabecear a bola e (claro) fazer o gol."

Após a fala do colega no workshop acima, cabe a pergunta: Como é fazer ciência no Catar?


É normal. Mas para não me omitir completamente vou me limitar à principal diferença entre o cientista no Catar, no Brasil e na Europa. Ser cientista no Catar guarda muitas semelhanças com a profissão no Brasil, apesar da imensa quantidade de dinheiro envolvido nos projetos. Pensando no futebol como metáfora da vida, assim como no Brasil, o cientista do Catar tem que bater o escanteio, correr para área, cabecear a bola e (claro) fazer o gol. Tudo muito diferente do “fordismo acadêmico” europeu que eu houvera experimentado, caracterizado por um grande volume de mão de obra e impulsionado pelas especificidades laborais das sociedades contemporâneas.an


Como foi a “adaptação” ao mundo Árabe?


Sem mais recursos de espaço, finalizo esse depoimento dizendo que durante os dois anos e meio vivendo no mundo islâmico, não testemunhei nenhum indivíduo da espécie Homo sapiens que tenha sentido dificuldades para se “adaptar” ao meio cultural-religioso daquela região.


 

Quem é Felipe?

Felipe possui graduação em Ciências Biológicas pela UFRN (2010), mestrado em Oceanografia Biológica pela FURG (2013), doutorado em Genômica Evolutiva pela Københavns Universitet (2018) e pós-doutorado na Qatar University (2021-2023). É co-fundador da Sociedade Brasileira de Biologia Evolutiva, onde ocupa a posição de Primeiro Secretário. Tem experiência na área de Evolução, Genética, Ecologia, Oceanografia e Zoologia.


 

CONVERSA COM OS MESTRES


Diversidade reprodutiva em peixes: uma imensa janela para entender biologia, ecologia e evolução

Por: Waldir Miron

Desde a infância, crescendo como um pescador amador no litoral potiguar, desenvolvi um fascínio inato por peixes. O contato constante com a água – mergulhando, pescando ou simplesmente observando a ictiofauna ao lado do meu pai – alimentou uma curiosidade incessante. Perguntas aparentemente simples me intrigavam: por que os organismos são do jeito que são? O que determina suas cores, comportamentos e morfologias tão distintas?


Com o avançar da minha trajetória acadêmica, percebi que essas questões estavam no cerne da biologia evolutiva, campo que escolhi seguir. Hoje, como Professor Assistente na University of West Florida, em Pensacola, sinto-me realizado por poder contribuir para a elucidação dessas questões por meio da minha pesquisa. Meu foco principal está no que tenho chamado de "Biologia Reprodutiva Evolutiva", explorando através de abordagens integrativas (i) as causas e consequências das variações reprodutivas na evolução dos peixes e (ii) as bases (epi)genéticas da plasticidade fenotípica em peixes clonais.


Minha primeira incursão nesse campo se deu com o estudo dos rivulídeos de mangue do gênero Kryptolebias. Esses pequenos peixes, apesar de discretos em aparência, possuem uma característica singular entre os vertebrados conhecidos: a capacidade de autofertilização. Esse fenômeno extremo de endocruzamento tem implicações que vão desde o fitness individual até a dinâmica populacional e o isolamento reprodutivo. O estudo desses organismos permitiu-me enxergar de forma prática a conexão entre microevolução – variações de caraterísticas básicas da história de vida, como nos modos reprodutivos – e macroevolução – processos associados ao isolamento reprodutivo e especiação. Essa perspectiva ampliada me motivou a aprender abordagens integrativas, como genômica e biologia experimental para compreender a evolução dos sistemas reprodutivos usando peixes como modelos.


Figura 4. Um hermafrodita autofecundante do rivulídeo de mangue, Kryptolebias hermaphroditus.
Figura 4. Um hermafrodita autofecundante do rivulídeo de mangue, Kryptolebias hermaphroditus.
"O incomum, o atípico e o aparentemente paradoxal são fundamentais para entendermos os padrões biológicos que frequentemente tomamos como regras".

Desde esta ampla imersão nas lamas do manguezal, resultados em vários trabalhos com os rivulídeos do mangue (visite meu site para saber mais), ficou evidente que o estudo da diversidade reprodutiva dos peixes oferecia um campo vasto de exploração científica. Os peixes, além de constituírem o grupo de vertebrados mais diverso, apresentam uma gama extraordinária de estratégias reprodutivas – de sistemas assexuais e hermafroditismo até viviparidade placentária – que fazem deles modelos ideais para investigações na biologia reprodutiva [1-3] . Atualmente, desenvolvo projetos que vão desde o estudo das origens e consequências da assexualidade até a coevolução entre gametas masculinos e femininos na família Poeciliidae. Também utilizo abordagens genômicas para investigar os mecanismos moleculares por trás da autofertilização em Kryptolebias e as convergências evolutivas do anualismo em peixes anuais da família Rivulidae.


O aprofundamento no estudo da diversidade reprodutiva levou-me a revisitar um antigo interesse pela plasticidade fenotípica, a interação entre genoma e ambiente na geração de fenótipos. Mais uma vez, os peixes se mostraram um sistema modelo excepcional para explorar essas questões sobre plasticidade fenotípica. Para esta linha de pesquisa, tenho tomado vantagem da clonalidade gerada por autofertilização nos rivulídeos de mangue [4-6] e a assexualidade da Molinésia Amazônica (nome em referência a lendária tribo amazônica composta totalmente por fêmeas) (Poecilia formosa) para investigar a integração entre variações genéticas e epigenéticas, assim como os mecanismos moleculares responsáveis pelas múltiplas expressões fenotípicas da plasticidade dentro e entre gerações.


Certa vez, um colega mais experiente me disse: "A biologia é a ciência das exceções". Essa frase ressoa fortemente com minha abordagem científica. O incomum, o atípico e o aparentemente paradoxal são fundamentais para entendermos os padrões biológicos que frequentemente tomamos como regras. Durante meu pós-doutorado, ganhei o apelido carinhoso de "weird fish guy" – e é exatamente por meio do estudo desses "peixes estranhos" que espero continuar contribuindo para a compreensão da biologia reprodutiva evolutiva. De forma geral, a minha curiosidade de criança ainda ressoa em mim, mantendo a chama acesa nessa busca incessante de entender uma questão central da biologia evolutiva: por que os organismos são do jeito que são?


Figura 5. Uma fêmea assexual da Molinésia Amazônica, Poecilia formosa.
Figura 5. Uma fêmea assexual da Molinésia Amazônica, Poecilia formosa.
REFERÊNCIAS
  1. Avise JC. Proc Natl Acad Sci U S A. 2015;112(29):8867–73.

  2. Furness AI, Avise JC, Pollux BJA, Reynoso Y, Reznick DN. Curr Biol. 2021;31(9):2004–11.e5.

  3. Pla S, Benvenuto C, Capellini I, Piferrer F. Nat Commun. 2022;13(1).

  4. Berbel-Filho WM, Rodríguez-Barreto D, Berry N, Garcia De Leaniz C, Consuegra S. Epigenetics. 2019;14(10):939–48. 

  5. Berbel-Filho WM, Pacheco G, Lira MG, Garcia De Leaniz C, Lima SMQ, Rodríguez-López CM, et al. Epigenetics. 2022;17(13):2356–65. 

  6. Berbel‐Filho WM, Berry N, Rodríguez‐Barreto D, Rodrigues Teixeira S, Garcia De Leaniz C, Consuegra S. Mol Ecol. 2020;29(12):2288–99.

 

Quem é Waldir?


Waldir é Professor Assistente no departamento de Biologia da Universidade de West Florida. Cresceu em uma cidade tropical no Brasil e teve o privilégio de passar sua infância fazendo snorkeling e pescando em recifes de coral. Um dos seus  interesses na pesquisa é entender os fatores que levam à diversidade de sistemas e estratégias reprodutivas e de acasalamento na natureza, bem como as consequências evolutivas desses sistemas após sua origem. É co-fundador e Segundo Secretário da Sociedade Brasileira de Biologia Evolutiva. 


 

NOVIDADES & INFORMES


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Confira o novo site da SBBE com informações atualizadas. Em breve, também teremos área do membro para compartilhamento de informações entre nossos associados!


DARWIN DAY 2025 EM MACAÉ

Confira a programação do Darwin Day deste ano que ocorrerá no NUPEM/UFRJ, Macaé, RJ. A UFRJ tem alojamentos e você já pode reservar sua hospedagem. Os participantes do evento interessados em pernoitar no NUPEM/UFRJ ao custo de R$30,00 por noite devem enviar e-mail para RESERVANUPEM@gmail.com solicitando uma vaga para o período do evento em alojamento coletivo masculino ou feminino (sujeito a disponibilidade). Faça sua inscrição no site. E atenção: sócios da SBBE têm desconto na inscrição!


 
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Editores desta edição: Fernanda S. Caron e Júnior Nadaline

Design, revisão e composição: Fernanda S. Caron, George Pacheco e Júnior Nadaline

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